segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Natureza: o que a arte dramática suprime para proveito de uma naturalidade estudada e mantida com exercícios


R.P.
eu estava andando por comunidades e achei este comentário. me lembrei de você. é este toque. achei algo tão especial ter escrito isso... é verdade este movimento a que você se referiu...precisarei pensar mais um pouco... mas é verdade

o tato visual que transcende o " verbalismo", até no filmes que se querem visuais há sempre a discursividade verbal , implícita ou não... vai ver que aí, em Bresson, é que está uma faculdade espiritual...e talvez por isso ele goste de ser anti-naturalista...

é uma percepção maior, a percepção do bruto da realidade, traduzido em tudo, é um excesso de verbo, de definições...é tudo já resolvido, definido, dado... tudo tem seu nome, pronto. isso é bem discursivo...

tudo é sabido, pronto. sem outra saída se não a da ação, dos discursos

se eu tentar o silêncio, as elipses, as contradições mesmo ( em cortes de edição ) em BRUCTUM ( Vision) talvez chegue a uma apresentação hordiena ( com margem de indefinição, como diz Jean) da sensibilidade empenhada pelos personagens na encenação de quadros contemorâneos... porque, particularmente quanto ao que crio, não gostaria de ser só " narrativo" ( mas não gosto de sacrificar isso...) Tenho chegado a certos momentos cujo grande valor artístico é não ser narrativo... em algo que escrevo... são certos momentos não de todo descritíveis...e se descritivos, só quanto a certo aspecto que menciona o momento... aí noto que é o amplo que pode se apresentar, ou que se apresenta...

...é tátil como emissor e receptor...hum...

...um toque visual tátil...

...vou pegar o livro do Bresson " Notes sur le Cinematographe "na questão mesmo do toque, um tato visual. Nós assistimos ao filme, os personagens são vistos pelo filme. E neste entre meio há um toque visual, que é tátil como emissor e como receptor, mas visual como canal. ..a disposição, o lugar... a insinuação, quase realização, a produção ou aparecimento d o emissor e do receptor... desta operação , deste movimento... entre o visual e o tátil... o que Deleuze falaria?

e não falo por intelecção pura não...

o tocar os problemas... o tocar uma forma...realizá-la...
´o tato visual que transcende o " verbalismo", até no filmes que se querem visuais há sempre a discusividade verbal , implícita ou não... vai ver que aí, em Bresson, é que está uma faculdade espiritual...e talvez por isso ele goste de ser anti-naturalista...´Concordo. Mas veja que interessante pensar nisso a respeito de Procès de Jeanne d'Arc que é um filme pautado no verbal. O tato visual transcende mesmo e não há palavra que defina melhor este efeito bressoniano. Eu me lembro e você deve se lembrar também da cena do filme que me chamou atenção, que são os pés dela sendo filmados enquanto ela anda num caminho em direção à morte. As pernas amarradas, o andar truncado, alguém passando a perna num certo momento. Depois de tanta fala e apesar de eu preferir Dreyer, a questão oral é sempre muito cara a mim, a minha verborragia, é ali que para mim tudo vem a ser dito através do corpo e do espírito. Os pés guardam tanto espírito quanto o coração, pois raramente são vistos e quando o são, viram fetiches.

Isto que você disse sobre anti-naturalismo, é se eu não me engano o ensaio eterno, a repetição exaustiva dos gestos até o momento de certo desgaste ou mecanização. É quando o corpo deixa de pensar em si mesmo que ele começa a pensar em seu interior. É o ´eu que penso´sendo o ´eu que existo´, quando corpo e espírito se tornam a mesma coisa. É a redundância separando para agrupar.
´tudo tem seu nome, pronto. isso é bem discursivo´Mas aí podemos trazer aquela idéia de descobrir, conhecer as coisas antes de serem nominadas, antes de receberem um nome. Pois o senso comum sabe que as coisas existem a partir do momento em que recebem um nome. Foucault falava isso a respeito da homossexualidade e da loucura, que antes não existiam. Jean em Carmen traz o prenome, saber o que vem antes, não antes de existirem, mas antes de receberem um nome.

E nem deve ser só narrativo. A escrita, talvez a própria literatura, hoje está morrendo um pouco. Se o audiovisual consegue cada vez mais hoje com novos suportes, linguagens, estilos um novo mostruário das imagens e das coisas, a escrita as vezes acho se perdeu um pouco. A narrativa se vulgariza. Tente em BRUCTUM (Vision) estes níveis de silêncio, que podem ser vários. O silêncio é múltiplo. Ele pode ir de John Cage a Dreyer, passando por Warhol. E não é apenas a falta de som, mas sim o som do silêncio. Não é retirar todo o som da tevê, do filme, mas sim ouvir a falta, aquilo que falta. Está na imagem, não no som. Uma imagem pode ser silenciosa mesmo com uma enorme banda sonora. E também pode haver as duas coisas, tanto pra um quanto pra outro pólo.E na escrita acredito que isso exista, mas se faz pouco ou vulgarmente.
´é o amplo que pode se apresentar, ou que se apresenta´
Sim. Esqueçamos a Terra e teremos o Universo.
R.P.
sei sim deste plano, por você ter escrito e eu até coloquei em TRANSE
não conheço bem este Bresson. mas me lembro como é falado. e conheço a tua " verborragia". mas o que eu estava sentindo, quando comentei aqui, é um certo esgotamento verbal. deve ser uma cisma minha.
"esgotamento", digo, pensando em BRUCTUM. estou querendo desenvolver certa reflexão quando o mundo invade o espetáculo-perfomance que tem lugar nesta narrativa, BRUCTUM. e aí me veio os silêncios das imagens do Bresson, como elas dizem-se... foi por aí a minha direção...nada contra o Verbo...é que quero que um dos personagens que é jornalista pense na concepção da sua direção, em si, no que faz junto aos outros personagens de uma forma diversa da situação dele de ser um jornalista...daí o desafio...
M.M.M.
Esgotamente verbal quando você diz me remete a um certo esgotamento físico que parece também haver nos filmes. E novamente Dreyer surge para mim, mas é um esgotamente diferente. O esgotamento de Maria Falconetti não é o mesmo destes ensaios, desta repetição de movimentos para a libertação do espírito. A palavra também se esgota e não é Ordet, é o verbalismo. E agora faz mais sentido quando você fala de silêncio.
´quando o mundo invade o espetáculo-perfomance que tem lugar nesta narrativa´Isso pode ser suspender. Um mundo invade, outro é suspenso. Há sempre um outro mundo. Com seu personagem jornalista você estaria fazendo um grande exercício de ir contra o clichê, as imagens viciadas. Não para criar estranhamento, crítica, mas exercer uma nova direção. Uma direção para uma proposição como falávamos há semanas atrás.
R.P.
sim. uma proposição outra... que se faz no curso e nos personagens como são... a narrativa tem este espetáculo-perfomance como centro. os ensaios deste espetáculo que se chama "Semi-Esfoprço: VIsion"... os ensaios que a narrativa sonda...

BRUCTUM no blog era bem mais doce... agora está meio ríspido... a loucura apaixonada, e profissional, de Tônia e Tonho deu vez a um certo distanciamento...
M.M.M.
Você comentou no fim de novembro talvez já sobre este distanciamento. É preciso pensar até que ponto isso é da própria obra ou seu. Se tem relação com seu estado de espírito ou se são os personagens, o texto em si que está se movimentando dessa maneira.
R.P.
ah acredito. estou ficcionalizando também TRANSE. me apareceram personagens e certo núcleo e desenvolvo... mas tanto em BRUCTUM como em TRANSE há atropelamentos... eu vivo numa casa numa avenida perigosa...
LOVISAS também me custou muito. mas respeitei o desespero final deste CANTO

M.M.M.
LOVISAS é difícil para mim, sabia ? Me sinto pequeno ali, me perco não por falhas na escrita ou falta de vontade da minha parte, de dedicação. A construção, o CANTO exige eu acho uma maturidade. Não se consegue tocar o alto de uma escultura sem uma escada ou tendo o tamanho equivalente. Mas se pode olhar, admirar. O que não é ruim, imagine. Mas é diferente de tocar.
R.P.
são minhas tentativas no mundo, MAtheus...agora criei, de passagem, personagens sambistas, uma garota do funk, um empresário de uma boate ex-Pierrot le Fou, atual JE M'APPELE FERDINAND
M.M.M.
Estas suas tentativas, suas novas criações, personagens pode ser de repente Atualização, que também falávamos. A era dos homens duplos.

R.P.
ah sim. agora em tudo trabalho em ATUALIZAÇÕES sim sim. em TRANSE...o cantor canta sambas clássicos na boate E... canta para um corpo atropelado ...
um personagem narrador o vê cantar assim na rua... está sentado no banco de trás ao lado de um rapaz comum, de boné que deixa de ser um tipo clichê , popular para ser um SER na situação do ônibus, do corpo atropelado e do cantor cantando sambas clásicos .... para um corpo atropelado.... o personagem narrador abre com dificuldade a janela para olhar...
estou escrevendo essas coisas... ficcionalizando TRANSE...este narrador te cita...quanto ás tuas impressões de Os Incompreendidos... que já estava em TRANSE...
M.M.M.
Eu fico encantado com sua ficcionalização, seja em BRUCTUM, em TRANSE, em tudo. Este pequeno trecho que você citou, me lembra as suas descrições de filmes, ou comentários de Lugar Público. Eu realmente fico encantado, sempre fiquei. E eu ainda sou citado por este narrador!Esta sua cena do samba, o corpo atropelado, o ônibus e a dificultade em abrir a janela. Sem você mencionar, já está aí a luz que incide sobre o vidro, o ar, as pessoas, os objetos, a natureza. O rapaz comum como SER. Nas suas escrituras tudo tende a ´ser SER´.
R.P.
LOVISAS é difícil, né?

acho que é a coisa mais bem acabada que já escrevi... bem trabalhei muito. um amigo meu do Orkut, o Felipe Stephani, leu durante vários dias e disse que tinha ficado estimulado... eu acreditei, apesar de ser difícil... fiquei admirado do fôlego dele !

... é que LOVISAS, nos últimos poemas é quase minha vida...
M.M.M.
Sim, houve trabalho. Por isso falei e sempre falo em escultura quando trato de LOVISAS.

R.P.
homens duplos?
M.M.M.
Sim, homens duplos. ´ex-Pierrot le Fou, atual JE M'APPELE FERDINAND´

R.P.
obrigado pelo conselho de ver o que tenho e o que não tenho a ver com os personagens... talvez isso ajude porque, na escrita, BRUCTUm está parados há umas três semanas... aí ontem veio... estava com saudade de quando era doce, no blog...
mas, Marco querido, você fala de LUZ. você é incrível ( sabes que acho... falo agora de tua " inteligência artística "... para nosso amigo em comum. sabe que a LUZ é um dos personagens, do narrador, de BRUCTUM? é sim...materialmente, às vezes é citada como a luz do ônibus... um pensamento da Luz do ônibus que passa... para o qual o cantor que canta para o corpo atropelado olha...

M.M.M.
E eu digo com sinceridade que eu realmente vi esta luz na sua descrição e agora lendo o capítulo tudo se torna ainda mais claro, literalmente. Pois você manifesta certa dualidade dela, tanto matéria como substância. Um pensamento da luz do ônibus e o próprio físico encontrado e rebatido nos corpos, seja o vidro e a refração ou a pele, os tecidos.

R.P.
Parado vê LUZ RÀPIDA DE ÔNIBUS. A janela sugere campo aberto no rastro da paisagem. Quando parte. Se fotografado e exposta a fotografia,você verá, nas fotos...
...o rapaz com a mochila e eu na contemplação. Calados . Efetivos . Sentados, dentro do ônibus. Na viagem.
O ônibus que parara por alguns segundos. E o rapaz fez seu boné descansar em suas coxas.
Demorei a olhar para a frente.
Tinha aberto a janela com as mãos e com dificuldade. Quase passei por cima do rapaz de boné. Suas pernas compridas. Eu me inclinava , à janela, e quase estava sobre ele.
Cara quase para fora, mas não ia gritar...deveria? Deveria descer, enfrentar, aguentar ao seu lado! Todo mundo no Rio grita. Mas não gritei, olhei para trás.
Lírio ia em direção a Franconádio, deu para ver. Enquanto o ônibus seguia. depois sentei, olhei para o rapaz, em relance demorado. E disse que ele cantava. O rapaz pressionou os lábios, e junto com o balançar do ônibus, fez um sinal de reconhecimento que eu não sabia se era por Franconádio cantar ou pelo corpo estendido no asfalto. Deveria ter perguntado, mas isso é ridículo, acho agora. Só disse onde o piano-bar em que cantava ficava. Ele abriu os olhos como se se inteirasse de uma novidade
M.M.M.
Você percebe como o outro capítulo possui uma coisa fotográfica ? Ele não é estático, mas traz justamente alguma certa idéia de silêncio. Se sabe que há movimentos, sons e grandes movimentos e grandes sons, porém um outro ritmo existe, algo que passa ´ao lado´. As dúvidas trazem um pouco desta sensação, ´deveria descer´, ´deveria perguntar´, os devires e os deveres de personagens que parecem posar, mas não estão parados, o mundo ao contrário parece cada vez mais urgente, mais atual.

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