sábado, 12 de janeiro de 2008

Le Chaos revient encore


M.M.M.

[ Sobre uma dita montagem ] Seu amigo não é o primeiro a comentar a respeito destas tais 'precariedades'. Eu sinceramente não vejo desta forma. Para mim há grande coerência. Com relação à montagem, por exemplo, para mim é muito mais um retorno ao descobrimento do cinema, às suas origens. É a infância do cinema, mas não como em Les Carabiniers. É um retorno a um cinema com pontas, com arestas que irá se esculpir através não através da montagem, mas sim do ver e do rever. É vendo e revendo a imagem, os planos que criamos o essencial. Por isso eu falo no 'vai e volta'. É um filme que parece redundante em muitos momentos. Cenas parecem surgir uma, duas vezes, planos idênticos ou os mesmos, falas, pedaços. Hoje vivemos um tempo de muitos ruídos. Se a mensagem está cercada destes problemas, iremos produzir redundâncias. Uma montagem que também segue a linguagem fraca dos censores, 'nas coxas, sambando e rindo' pois o óbvio é às vezes tão óbvio que não é notado logo na primeira.

A origem do cinema, certa ingenuidade. No fim do filme as imagens em cores do ambiente rural, a menina andando, correndo. As coisas antigas coloridas, mas acontece que o mundo era preto e branco. O mundo passou a ser colorido por volta de 1940. Os quadros dos pintores se tornaram coloridos, como tudo.

É um filme difícil, facilmente irritável. E não digo ao grande público, mas à grande crítica. Porque diferente de Filme de Amor, são 'intelectualidades' diferentes. Aqui a esculhambação é um sintoma do caos enquanto que em Bressane há uma outra coisa, uma floração, uma manifestação da alegria e do brilho. Não é a toa que para os gregos o Caos seria o contrário de Eros. Eu insisto que ambos os filmes são complementares e não acho mera coincidência terem estado em Brasília juntos dividindo os prêmios. Tanto Caos como Eros são forças geradoras do universo. Caos parece ser uma forma mais primitiva, enquanto Eros uma força mais aprimorada. E a montagem de ambos os filmes demonstra também isto.

Caos significa algo como "corte", "rachadura", "cisão" ou ainda "separação", já Eros é o princípio que produz a vida por meio da união dos elementos [ masculino e feminino ]. Caos é então uma força antiga e obscura que manifesta a vida por meio da cisão do elementos. Caos parece ser um deus andrógino, trazendo em si tanto o masculino como o feminino. Esta é uma característica comum a todos os deuses primogênitos de várias mitologias.






R.P.


vi "O Signo..." à tarde e revi "O Bandido..." à noite. "O Signo... surpreendeu-me. em primeiro: que maestria de planos!!!! e as imagens de "It's All True" de pano de fundo, melhor, como que vistas por um visor. Aí vemos que é um filme dedicado a outro, abertamente.Ou referencialmente. E não por nada... ou por nada? As imagens que " não deveriam ser vistas" são imagens puras, além de um mero documentário. Imagens de um projeto que encontram na censura brasileira uma oposição. Isso é muito importante, comecei a pensar quando o filme começou no seu vai e vem,a repetir-se a dobrar-se sobre si. Coloquei-me em posição de total atenção e ia percebendo que é um filme que dialoga com o cinema...é um filme que volta-se para o cinema. AS imagens finais me deixaram perplexos : os atores desaparecem... e coisas como um container sendo elevado e baixado num armazém, o fogo de uma fogueira, A IMAGEM DE SHIVA ( deusa dos movimentos, das mudanças...dos ciclos) é queimada! Fiquei impressionado com tal abstração material.

E comecei a pensar na virulência, nas vísceras cinematográficas, narrativas e históricas (no verbo sempre de gênio de Sganzerla...) como o filme estampa-se com algo maior que ele. Ele, um filme que afirma serem os filmes como um fósforo, só se acende uma vez. Eu estava sentindo que o filme repetia-se para afirmar-se em sua estruturação, de que era feito, e ao final Rogério não me parece somente tomar o partido da destruição, corroborando-a. "O signo..." acaba como os filmes acabam-se, e podem ser até esquecidos uma vez exibidos, ou não (sempre se fala disso, de que importância tinha "It's All True"...). Mas ao acender da fogueira, ao atores desaparecerem não é somente a morte. É um diálogo com o desaparecimento... Um filme-acontecimento, como o de Wells e um filme sobre o desaparecimento. Este impacto. Uma imolação? Não sei, acho que não só... um filme acaba e à sombra de outro ilumina-se de estranha forma.

M.M.M.

Você chamou atenção para algo que eu nunca me dei conta com relação ao filme que é o 'esquecimento', pois da mesma forma que há uma reivindicação a It´s All True - tardia ou não, obsessiva ou não, mas cara a Rogério se lembrarmos de Nem Tudo é Verdade, de 86, A Linguagem de Orson Welles, de 89 e Tudo é Brasil, de 97 - ao mesmo tempo é um jogar para o alto, um desprendimento. O Signo do Caos se coloca como um filme tão maldito quanto It´s All True, não por vaidade como pode se pensar pela sua apresentação como anti-filme, mas por sua natureza. Poucos irão ver ou procurar entender e ainda é o último filme de Rogério, imagina se não fosse. Gostei muito de sua observação sobre o esquecimento, pois é triste pensar, mas é uma despedida. Uma despedida que não necessariamente significaria abandono, como provou, por exemplo, Week End em 67.




R.P.

Quando começou a cor, me mexi. êpa, pensei. Algo acontece com o filme que não é só estes soberbos enquadramentos e angulações de Wells... A parte em cor é um cinema que se fixa em algo que quer chamar atenção. Seqüências e planos demorados chamam a atenção para serem considerados. Isso é muito underground, esta estética do plano parado como se algo fosse interminável, algo no vazio, no limite. Aí começaram as repetições de planos ligados a Wells... Pensei, aí tem coisa! Foi quando senti, e senti que havia um temor, uma preocupação de que o filme iria terminar... Então, senti, claramente, que o filme falava sobre o seu esquecimento. Principalmente quando os atores saem de cena (a narrativa, né) e objetos não-narrativos tomam a cinegrafia.

Senti que o filme não só se filiava a "It's All True", mas compartilhava com ele e, senti, com o cinema, não somente de uma forma, talvez, falaria, de um espírito... O fogo que consome-se, que consome até uma imagem dos ciclos. Senti uma força tamanha do Sganzerla que, juro!, quase arrepiou-me. pelo menos abriu bem meus olhos! Algo se diz, se deixa ficar de outra maneira... não codificável... e radical como o fogo!

O filme chama a atenção para si, depois daquela seqüência do grotesco da elite, dos golpes presente naquela desnecessária história d e anel... um casamento...uma promessa... uma ingenuidade bandida! E acho que não extrapolo não. Os filmes de Rogério é cinematografia, mas muitas fixações, muitos pedaços de outras coisas ( que eu acho que ele nem sabia resolver...

Um filme não é uma escrita impressa... o som é volátil...




M.M.M.

É mesmo. A cor demarca um novo compasso e ali há uma bifurcação, pois temos a elite desvairada em bebida e risos e neste filme ele se torna uma linguagem, um segmento de fala dos personagens como um certo coletivo e temos Camila Pitanga e o símbolo da pátria. É quase como assistir ao nascimento e ao fim de alguma coisa, seria esta coisa o cinema ? Bem lembrando a figura de Shiva, da destruição ou transformação. Ainda penso nisso em oposição ao Eros de Filme de Amor. O fogo e a radicalidade que se aproxima do fim. Personagens desaparecem, a preocupação com o fim do filme. 'O cinema teria de ser escrito em uma folha em branco pegando fogo.'

Numa entrevista realizada em Paris no ano 2000, Rogério disse que em francês o filme 'seria alguma coisa como Le Chaos revient encore.

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