Autenticação mecânica da produção, atualização humana da realização. A invisível estação das ações, um segmento que exprimiria imperceptivelmente a aproximação de uma pessoa arrumando sua estante de livros a um operário de uma linha de produção automobilística. O texto eu não me lembro, a exatidão.
O carro passa da esquerda pra direita, mas se o seguirmos até lá em seqüência direta, descuidados do que passou, podemos nos esquecer. No final, aquilo que seguiu não foi a câmera; o que passou não foi um carro. Descuidamos da nossa esquerda.
Um professor diz que escrevemos daqui para lá, da forma que depois naturalmente também iremos ler. Da direita pra esquerda, de lá para cá é mais difícil ler, é mais difícil ver, mais difícil ser. A panorâmica da direita pra esquerda pode parecer truncada. O professor não fala em direita e esquerda, mas poderia supor um certo e um errado? Os que ouvem pensam que só se pode fazer de uma maneira. Só acreditamos no que dizem, sem ver. Acreditamos que a Revolução ocorreu no ano 17, que Descartes escreveu Les discours de la méthode, que Griffith rodou The Birth of a Nation e que cinema se aprende no Conservatório de Arte Cinematográfica.
Um movimento de artigos definidos e indefinidos, alternando-se durante a condução da aula, a violação das num carro. Auto-estrada da alienação, agora as tevês estão nos automóveis em pequenos instrumentos portáteis, de telas cada vez menores. A passagem da lição no quadro. O cristal líquido, ou a oceanografia dos conceitos. A passagem da lição e o passo da ação. Uma luta entre cegos durante a exibição. O lanterna também é cego. Os espectadores também. E tudo acontece no escuro.
Quando ouvimos a buzina é porque não vemos a imagem. Deixamos de abrir um livro na biblioteca, abrimos as quatro portas dos pátios lotados, coloridos de metal ao sol, das fábricas ao longo da rodovia. A avenida noturna da juventude na qual os faróis brilham de conhecimento metropolitano.
Friedrich Von Schlegel tratando da questão da classificação dos gêneros, afirmava que, antes de classificar as obras literárias, seria preciso refletir sobre a própria natureza da literatura. Bakhtin diz que os gêneros têm em comum o que ele chama “dupla orientação” – para o receptor e para o mundo real. Dessa forma, a obra é orientada para o ouvinte (e para as condições tanto de execução quanto de percepção) e também para a vida e cada gênero tem uma orientação particular para a vida na medida em que cada gênero apreende determinados problemas e acontecimentos do mundo.
Vias de mão dupla ao longo do caminho. Não há mais estantes físicas. A Via Láctea não tem um único halo, mas dois, que se movimentam em sentidos contrários e têm velocidades, composições e histórias diferentes. As galáxias espirais, como a que contém a Terra, são compostas por núcleo, disco e halo. Esse último é a região esférica que contorna a galáxia, tem menor densidade do que o disco e é formado basicamente por poeira. O halo fornece a oportunidade de vislumbrar os primeiros objetos formados no Universo.
Em 1936 Walter Benjamin, preocupado com a ascensão do fascismo e do nazismo, acreditou que o cinema democratizaria a relação entre o autor e o público, assim como a imprensa já teria transformado cada leitor em um provável jornalista. Naquele momento ele pensava que o cinema poderia ser um meio para politizar a arte contra a barbárie totalitária. No entanto, o caminho foi aquele que seguiu a história contemporânea. E o caminho dessa história foi, e continua sendo, o da barbárie política e econômica. Por isso mesmo, há quem diga que só o cinema nos permite hoje entender, mais do que qualquer outro gênero, a complexidade do mundo. Ora, justamente, o cinema – arte fundamentalmente realista, que obriga em todos os estágios, a lutar contra o “peso” das coisas e das pessoas – só pode, por sua natureza e funcionamento, prender ao real – ao mesmo tempo em que o figura ou transfigura. Só se pode ver pintores ou escritores enlouquecerem, mas nunca cineastas: “O cinema impede o enlouquecimento.”.
De acordo com Aristóteles, o espectador fica aliviado ao ver a realidade, que normalmente lhe escapa e por vezes o amedronta reduzida por alguns momentos a uma miniatura inofensiva.
É também o realismo do cinema que possui a mola de seus mais belos movimentos, porque, quando, tomando a realidade como base: a câmera tende, ao se afastar obter o mais fulgurante “zoom”. Porque, quando, ele volta a se aproximar, o impacto não é menos expressivo. Estes movimentos que fazem tremer todo o aparelho – e nós junto (como o avião de um kamikaze querendo esmagar a base de onde saiu) – até o limite da desintegração, são, talvez, experiências, tentativas, testes, em vista de uma outra reintegração. Trata-se de provar o vaso, ou o conteúdo para, a partir de um, modificar o outro. Desses dois exercícios, pode-se dizer que o primeiro nos faz sair da realidade e o segundo nos faz voltar a ela. Mas não será o inverso?
Nós temos, nesse caso, movimentos alternados que não cessam de animar o campo comum da obra e da realidade, este campo cujas mensagens são captadas pelas mesmas antenas. Pois são essas mesmas que permitem receber o real e o cinema (isto é verificável todo dia porque aquele que não captar um, não saberá captar o outro): E o mundo viveu e foi feito por aqueles que captam.
Entre aqueles, alguns podem também emitir. Eles, então, descrevem aquilo que se movimenta, ou, pelo menos, tentam explicar esse fenômeno. Alguns outros, criadores, podem tirar dessa realidade uma obra que é, ao mesmo tempo, a “mise-em-forme” e a superação dela (a realidade). Percorrer ininterruptamente e nos dois aspectos acima expostos os diferentes graus dessa escala, alternando sempre os dois tempos: o da recepção e o da emissão. Uma operação que se faz com o auxílio de decomposições precisas e de recomposições formais.
O que é que as pessoas fazem? Movem-se. As únicas coisas que não se movem são os objetos que as pessoas criam. Mas os objetos criados pela natureza movem-se o tempo todo. Que tipo de objeto é a imagem?
É impensável, inconfessável. Por outro lado, ela é a ligação e o surgimento de alguma coisa que se materializa exclusivamente o brotar de um pensamento. O “mundo verdadeiro” não existe e, se existisse, seria inacessível, não passível de evocação; e se fosse evocável, seria inútil, supérfluo. Não existe valor superior à vida, a vida não tem de ser julgada, nem justificada, ela é inocente, tem a “inocência de um devir”. Ao mesmo tempo em que o mundo verdadeiro, abolir também o mundo das aparências. O que resta? Restam os corpos, que são forças. Onde algo termina, onde começa outra coisa, o que é uma fronteira e como vê-la. Substituir o julgamento pelo afeto.
A verdade é da ordem da produção de existência. Não está dentro da cabeça, é algo que existe. O escritor emite corpos reais. Eles dão a partida e logo querem chegar ao esperado destino. Normalmente se esquece do caminho a ser percorrido, algo que vem desde pequeno nas excursões escolares.
A história de uma coisa, em geral, é a sucessão de forças que delam se apoderaram. Tentar percorrer o período de coexistência ou de simultaneidade de dois movimentos.
Este caminho é um outro.
"Você é como o cinema!" eis o que ela descobriu! "Você é triste! e depois você é alegre...!" eis o efeito de minha pantomima... Não era lisonjeiro... ela estava certa agora, eu era como o cinema! Como o cinema ou nada!"
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