Tudo funciona ao mesmo tempo, mas nos hiatos e nas rupturas, nos enguiços e nas falhas, nas intermitências e nos curto-circuitos, nas distâncias e nos despedaçamentos, numa soma que nunca reúne suas partes em um todo. É aí que os cortes são produtivos, e são eles próprios reuniões. As disjunções, enquanto disjunções, são inclusivas. As imagens fragmentadas que não são reconhecidas pelos outros, apesar de serem conhecidas destes mesmos. A dificultade em mostrar uma mistura de maneira clara.
Maurice Blanchot soube colocar o problema com todo o seu rigor. Como produzir e pensar fragmentos que tenham entre si relações de diferença enquanto tal, que tenham por relação entre si sua própria diferença, sem referência a uma totalidade original, mesmo que perdida, nem a uma totalidade resultante, mesmo por vir? A categoria da multiplicidade.
Estamos na idade dos objetos parciais, dos tijolos e dos restos. Não acreditamos mais nesses falsos fragmentos que, como os pedaços da estátua antiga, esperam ser completados e recolados para compor uma unidade que é também a unidade de origem. Não acreditamos mais em uma totalidade original, porém os espectadores não se comportam nesse sentido, ao contrário, buscam acreditar numa totalidade original. Não acreditamos mais no acinzentado de uma insípida dialética evolutiva, que pretende pacificar os pedaços porque ela arredonda suas arestas. Só acreditamos em totalidades ao lado. Acredito num cinema que passa ao lado. De Heidegger a Artaud, Maruice Blanchot sabe ler em Artaud a questão findamental do que faz pensar, do que força a pensar: o que força a pensar é o 'impoder do pensamento'. O que Blanchot diagnostica por toda a parte n aliteratura vamos encontrar em lugar de destaque no cinema: por um lado a presença de um impensável no pensamento, e que seria a um só tempo como que sua fonte e sua barragem; por outro, a presença ao infinitode outro pensador no pensador, que quebra qualquer monólogo de um eu pensante. Artaud deixará de acreditar no cinema quando entender que o cinema passa ao lado. Porém é preciso procurar entender o que é esta lateralidade, estas linhas de fuga.
"Ela surge, mas aplicando-se desta vez ao conjunto, como tal pedaço composto à parte, nascido de uma inspiração", diz Proust da unidade da obra de Balzac, mas também da sua própria. E é notável, na máquina literária de La Recherche du Temps Perdu, até que ponto todas as partes são produzidas como lados dissimétricos, direções quebradas, caixas fechadas, vasos não comunicantes, divisões, onde até mesmo as contigüidades são distâncias, e as distâncias, afirmações.
Minha posição depressiva é apenas uma cobertura para uma posição esquizóide mais profunda.
O todo é produzido, ele é ele próprio produzido como uma parte ao lado das partes, que ele não unifica nem totaliza, mas que se aplica a elas, instaurando somente comunicações aberrantes entre vasos não comunicantes, unidades transversais entre elementos que guardam toda a sua diferença nas suas dimensões próprias.
Tudo começa por nebulosas, por conjuntos estatísticos de contornos vagos, por formações molares ou coletivas, comportando singularidades repartidas por acaso. Depois, nessas nebulosas ou nesses coletivos, delineiam-se 'lados', organizam-se séries, figuram-se pessoas nessas séries, sob estranhas leis de falta, de ausência, de assimetria, de exclusão, de não-comunicação. Depois, ainda, tudo se embaralha novamente, se desfaz, mas desta vez, em uma multiplicidade pura e molecular, onde os objetos parciais têm todos igualmente suas determinações positivas e entram em comunicação aberrante segunda uma transversal que percorre toda a obra, imenso fluxo que cada objeto parcial produz e recorta, reproduz e corta ao mesmo tempo. São os personagens títeres de Esforço : Vision; os sujeitos modelos, filosóficos de um certo cinema.
sábado, 6 de outubro de 2007
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